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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Após 33 anos, Marta Suplicy deixa o PT e crítica o partido pelos atos de corrupção

‘PT protagoniza um dos maiores escândalos de corrupção da história’, diz Marta ao pedir desfiliação

Na carta em que apresentou o seu pedido de desfiliação do PT, entregue nesta terça-feira aos diretórios municipal, estadual e nacional da legenda, a senadora Marta Suplicy (SP) acusa o partido de protagonizar um dos maiores escândalos de corrupção da história do país. A sigla, no qual Marta militou por 33 anos, disse que vai ingressar na Justiça Eleitoral para obter o mandato da senadora. Em entrevista em Brasília, a senadora ressaltou que se sentiu “traída” pelo partido.

Na carta, Marta, faz referências indiretas aos escândalos do mensalão e de corrupção na Petrobras e afirma ser “de conhecimento público que o Partido dos Trabalhadores tem sido protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou, sendo certo que mesmo após a condenação de altos dirigentes, sobrevieram novos episódios a envolver sua direção nacional”.

“Para mim, como filiada e mandatária popular, os crimes que estão sendo investigados e que são diária e fartamente denunciados pela imprensa constituem não apenas motivo de indignação, mas consubstanciam um grande constrangimento”, escreveu a senadora.

Diz ainda que “os princípios e o programa partidário do PT nunca foram tão renegados pela própria agremiação, de forma reiterada e persistente”. “Aqueles que, como eu, acreditam nos propósitos éticos de sua carta de princípios, consolidados em sua programa e em suas resoluções partidárias, não têm como conviver com essa situação sem que essa atitude implique uma inaceitável conivência”.

Marta ainda acusa a direção partidária de isolá-la e estigmatizá-la. Diz que suas atividades partidárias e parlamentares foram cerceadas pela direção, o que colocou em risco a sua eleição para o Senado em 2010. “Percebi que o Partido dos Trabalhadores não possui mais abertura nem espaço para o diálogo com suas bases e seus filiados dando mostras reiteradas de que não está interessado, ou não tem condições, de resgatar o programa para o qual foi criado, nem tampouco recompor os princípios perdidos”, escreveu a senadora, que acrescentou estar vivendo o pior momento de sua vida política.

A ex-prefeita de São Paulo afirma que a legenda se distanciou completamente dos fundamentos que “há 35 anos nos levaram a construí-lo com entusiasmo e envolvimento”. “Até onde pude, tentei reverter essa situação. Não fui ouvida. Não tenho compromisso com os reiterados desvios programáticos e toda sorte de erros cometidos”.

Com receio da ofensiva petista na Justiça, Marta usa o cerceamento que teria sofrido da direção para justificar a sua saída e diz que sua “prioridade é a fidelidade ao mandato que foi outorgado pelo povo de São Paulo”.

Assim que souberam da carta, os petistas anunciaram a decisão de tentar reaver o mandato.

— Só nos resta buscar nossos direitos — disse Jorge Coelho, vice-presidente do Diretório Nacional, que lamentou a decisão de Marta: — A gente só lamenta que tenha sido desta maneira, sem debate e sem condições de contrapor os argumentos dela— comentou Coelho ao GLOBO.

O vice-presidente do Diretório Nacional admitiu não ser fácil obter o mandato, já que o TSE já deu ganho de causa a outros senadores que deixaram suas legendas.

— Mas a gente batalhou muito para eleger a Marta não só como senadora, mas em todas as vezes que ela se candidatou — disse.

Advogados do PT ainda discutem se a Justiça Eleitoral será acionada pelo diretório nacional ou estadual. A tendência é que o processo seja movido pela direção estadual, ocupada pelo presidente Emídio de Souza. Em conversas recentes com o GLOBO, Emídio já havia manifestado a intenção de requerer que o mandato fique com a legenda. Nesse caso, poderia ocupar a vaga de Marta um de seus mais antigos aliados, Paulo Frateschi, ex-presidente do PT paulista.

A direção petista avalia que tem chances de obter uma decisão favorável à Justiça, principalmente porque, segundo os petistas, Marta não teria sofrido cerceamento em suas críticas ao PT. Desde o fim das eleições do ano passado, a ex-petista faz severas críticas tanto à legenda quanto ao governo.

Marta deixa o PT para disputar a prefeitura de São Paulo no ano que vem, contra o prefeito Fernando Haddad, petista. Em sua festa de aniversário, no mês passado, anunciou que ingressaria no PSB, do vice-governador de São Paulo, Márcio França. A migração de legenda tem anuência do PSDB, do governador Geraldo Alckmin.

Francisco Rocha, o Rochinha, coordenador da tendência majoritária do PT, da qual Marta sempre fez parte, criticou a decisão da senadora, mas disse que a notícia da desfiliação não surpreendeu os petistas. A senadora viveu um verdadeiro litígio com o PT nos últimos meses.

— É uma perda para os dois lados. Historicamente, todos os que saíram do PT para tentar uma aventura fora se deram muito mal. Pau que bate em Chico bate em Francisco— disse Rochinha, para quem, em suas palavras, a eventual candidatura de Marta não mudaria as chances de Haddad ser reeleito.

Outro vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice, confirmou que os petistas querem a vaga no Senado:

— O PT não deve nada para Marta. A devedora é ela, que foi eleita pela militância para todos os cargos que disputou. Vá, mas deixe o cargo— disse Cantalice.

Para o cientista político Carlos Melo, do Insper, a entrada de Marta na sucessão municipal faz com que Haddad dispute o pleito com uma adversária de seu próprio campo, complicando sua tentativa de reeleição. Por outro lado, a ex-petista vai atrair eleitores que hoje estão contra o partido do prefeito.

—Os dois concorreriam na mesma faixa (entre eleitores da periferia e votos à esquerda), mas é verdade também que ela tem potencial para pegar o voto anti-PT, conquistando eleitores do PSDB e de outros partidos. Ela está numa franja de oposição ao PT que hoje é muito grande— disse o especialista.

Segundo Melo, Marta deixou o PT porque se sentia “preterida” em diversas ocasiões:

—Marta vinha em rota de choque com o PT há muito tempo e, ultimamente, vem em um jogo de cotoveladas muito grande. Marta tem uma avaliação a respeito de si própria bastante positiva, achando que deveria ser candidata e acabando preterida pelo partido. Sua meta, agora, é ser prefeita e ela faz críticas que têm eco na sociedade. Mas não está deixando o PT apenas por indignação, mas por ter seu espaço cerceado.

Na opinião de Carlos Melo, o andamento da pauta no Congresso Nacional pode determinar ainda novas baixas no PT. Um dos insatisfeitos com o partido e o governo é o senador Paulo Paim (PT-RS), que já ameaçou deixar a legenda caso não haja modificações no ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Na tarde desta terça-feira, Marta divulgou um vídeo para seus eleitores em sua página nas redes sociais. No vídeo, a ex-petista diz que o PT se “desviou” de seus objetivos.

“Eu ajudei a fundar o PT há mais de trinta anos. E me orgulho de ter lutado para melhorar a vida dos brasileiros mais pobres, que nunca tiveram chance neste país. Mas o PT acabou se desviando do caminho certo e se contaminando com o poder. Eu quero dizer hoje a vocês que eu não me desviei dos valores que meus pais me ensinaram e que eu ensinei aos meus filhos. Que eu não me desviei da luta por um país mais justo. E que por essas razões, eu deixo hoje o partido. Não para desistir do caminho que iniciei há trinta anos. Mas para continuar a segui-lo”, diz a senadora.

(Colaborou Julianna Granjeia do O Globo)

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